terça-feira, 5 de novembro de 2013

O Humor Deve Ter Limites? (Octavio Caruso)

por Octavio CarusoOctavio Caruso

Cada comediante possui suas limitações, seu próprio estilo e seus critérios. Quanto mais inteligente e culto é um povo, menos importância ele dá às piadas de um comediante. Até mesmo o humor grosseiro deve ter espaço na comédia. Sendo bem sincero, até piadas sem graça alguma devem ter espaço na comédia. Se uma pessoa na “plateia” acha graça, ela já valeu a pena. O comediante não é um político, não é um rei com responsabilidades, mas sim o bobo da corte, responsável por desestruturar sistemas, expor falácias com contundência ou apenas apontar debochadamente o dedo para a peruca que teima em não se manter na cabeça de um cidadão. Da piada dos tomates atravessando a rua, passando pelos monólogos elaborados em que o alvo é a política, até Andy Kaufman imobilizando uma dona de casa em um ringue, tudo é válido. Quando um povo se sente regularmente ofendido por comediantes profissionais, você pode ter certeza que o nível de interpretação de texto e cultura geral é muito baixo. E o Brasil é o penúltimo no ranking da educação mundial.
Piada de mau gosto é pagar impostos e não ver melhorias em nenhum setor. Os políticos são pagos por nós e precisam ser levados a sério. O comediante que pensa duas vezes antes de abrir a boca, simplesmente não está exercendo sua função na sociedade. Nessa sociedade de valores invertidos, celebramos aquele que processa o comediante, aquele que busca receber uma grana alta que, teoricamente, pagará sua dignidade ferida, quando o mais lógico seria repensarmos seriamente essa cultura medíocre em que estamos inseridos, onde todo mundo se acha no direito de censurar outrem, mas ao mesmo tempo condena publicamente qualquer forma de censura. Hoje em dia no Brasil, um roteirista de qualquer formato precisa analisar calmamente quais sindicatos poderão se sentir ofendidos em seu texto, resultando em trabalhos chatos, miseravelmente comportados.
Existe um estilo de humor cuja característica é a ofensa gratuita (explorando estereótipos) direcionada aos membros da plateia. Grandes nomes como Don Rickles e Carlos Mencia abordam agressivamente temas espinhosos, como racismo, classes sociais e sexualidade. Os americanos sabem que eles são comediantes, então inteligentemente direcionam sua revolta para os membros da sociedade cuja seriedade realmente deve ser cobrada. Eles podem achar graça ou não, indicar ou não a apresentação para os amigos, mas com certeza não processam o humorista ou demonizam ele no Facebook. Isso é coisa de brasileiro preguiçoso, que adora afirmar certezas envoltas em erros ortográficos, normalmente sobre assuntos que não domina.
Comediante no Brasil usualmente se torna sinônimo de bandido, mau caráter. Danilo Gentili e Rafinha Bastos normalmente são os mais citados, sempre que o tema volta à baila. O mais comum é ler comentários exaltados de pessoas que os chamam de “cafajestes”, “babacas” e “canalhas”, dizendo que eles “precisam ser processados para aprenderem a respeitar os outros”. E sabe o que é mais curioso? Essas pessoas com certeza utilizam o humor de forma muito mais agressiva em suas casas, nas reuniões com amigos, praticando racismo e homofobia velados, mas aproveitam essas situações para (a psicologia comportamental explica) extravasar o extremo oposto. Como se a expressão pública de repúdio os purificasse (aos olhos dos outros) de seus próprios preconceitos e atos grosseiros diários. De certa forma, trata-se de uma vertente do que ocorre com aqueles que acusam o videogame de trazer a violência para suas casas.
Você pode exercer livremente sua opinião e acusar o comediante de não ter um bom timing, não ser eficiente naquilo que ele se propôs a fazer, mas até para os incompetentes deve existir espaço no humor. A maioria dos grandes comediantes não demonstrava em seus primeiros anos o real potencial de seus talentos. Querer transformar um comediante ruim em um mau caráter é um grande absurdo. Você não é obrigado a assistir suas apresentações, mas querer demonizá-lo como um pária na sociedade é um exercício de estupidez tremenda. Não se engane quando ler textos abrasivos onde o escritor procura enfatizar a mediocridade de um comediante popular (com ataques “ad hominem”), pois quase sempre é um ato que nasce de alguma variação da inveja. Querer tratar um estilo de humor profissional agressivo como Bullying, como ocorre nesses casos, é demonstrar ignorância acerca de ambos os temas. Caso fosse certa essa lógica torta, o já citado Andy Kaufman teria sido condenado à prisão perpétua e os membros do Monty Python teriam sido conduzidos direto à cadeira elétrica. Imagine “South Park”, “Simpsons”, “Borat”, George Carlin, Jimmy Carr, Al Murray, Bill Maher, Lenny Bruce e tantos outros ótimos exemplos, limitando seu humor com medo de ofender alguém. O que teríamos? Analisem o humor chato/comportado de Renato Aragão hoje e comparem com o maravilhoso humor politicamente incorreto realizado pelos “Trapalhões” décadas atrás.
Seja a agressão elegante (como fazia Chico Anysio e tantos outros) ou a excessivamente grosseira, ambas fazem parte da história da comédia mundial. O argumento de alguns afirma que o que não pode é humor sem graça. Querer definir o que “tem graça” é impossível. Um paralítico pode passar o dia fazendo graça de sua limitação física e achar o máximo quando um amigo não o trata com pena e entra na brincadeira. Qual o parâmetro que será utilizado quando o paralítico não se sente ofendido com uma piada de um comediante sobre sua limitação física? Existem comediantes anões e cegos, cujas apresentações são basicamente estruturadas no “rir de si mesmo”. Existem comediantes negros que passam apresentações inteiras debochando dos brancos. Existem comediantes brancos que passam apresentações inteiras debochando dos negros. Como definir o critério do que “tem graça”? É comédia, não é algo a ser levado a sério. Um conceito simples, mas que parece impossível de entrar na cabeça de grande parte dos brasileiros. O vizinho faz uma piada grosseira sobre a sua filha, você pode se ofender. Mas se ofender com um comediante profissional? Isso até acontece em outros países, mas levando em consideração a quantidade muito maior de comediantes estrangeiros, estatisticamente pode se dizer que são eventos raros. No Brasil, toda semana aparece nos jornais alguém processando um comediante. Isso sim é uma piada tremendamente sem graça…

Octavio Caruso – Ator, Escritor e Crítico de Cinema
Site: www.devotudoaocinema.com.br
Facebook: https://www.facebook.com/cinema.octaviocaruso

FONTE: http://www.annaramalho.com.br/news/amigos-da-anna/octavio-caruso/18821-humor-limites.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário