Obviamente, o título do texto está mais
para uma provocação do que realmente a expressão de uma realidade. Antes
de mais nada, é preciso saber que é urgente que se supere dentro de
nossa sociedade essa divisão estanque entre opressor e oprimido. Você
sabe quem é o opressor e quem é oprimido? Essa lógica binária, muito
comum de um marxismo velho em que separa o mundo entre patrão e operário
continua, ainda, em vigor em parte de nossa elite dita intelectual, com
um discurso que simplesmente repete aquilo que tem medo que se
modifique. O que se quer dizer é claro: dizer que o mundo se divide em
opressor x oprimido, lógica que só faz sentido para quem está do lado do
opressor, é se isentar do lugar em que está, assumindo um falso e
artificial lugar “por fora” desse pensamento, como se aquele que nomeia
fosse capaz de ver tudo alheio à realidade e dar um diagnóstico preciso.
A luta de classes se desfez em lutas de
discursos de imagens, de pensamentos tão segmentados que desmontaram a
tradicional separação maniqueísta de Marx. Não há mais periferia, não há
mais oprimido – todos são produtores de discursos, de pensamentos, de
lógicas culturais que podem, em determinado momento, tomarem a cena como
ocorre com o funk e com a cultura hip-hop. Não se trata de “arte de
periferia”, ou seja, de uma margem, mas de um pensamento que forma um
novo centro que, geralmente é muito mais rico que o “centro tradicional”
da elite intelectual. O que se vê, na maioria das vezes, são
“pensadores” acuados pelo teor de vitalidade do pensamento que vem dos
demais centros, que deslocam suas visões de mundo e colocam em cheque um
discurso que foi dominador (e por conseguinte, opressor) durante muito
tempo. A cultura funk não precisa mais do aval da MPB para fazer sucesso
e isso simplesmente assusta a MPB zona sul e os universitários voz e
violão.
Isto posto, quero ressaltar o caso recente que aconteceu com Danilo Gentili.
Para quem ainda não sabe, uma mulher apareceu no portal G1 de
Pernambuco afirmando ser a maior doadora de leite do Brasil. No mesmo
dia, como é comum no programa Agora é Tarde de Gentili, ele fez piada de diversos assuntos, inclusive com o caso da moça. Uma delas foi: “Em termos de doação de leite, ela está quase alcançando o Kid Bengala”.
No entanto, logo em seguida, foi anunciado que a mulher estava
processando o humorista, pois segundo ela, ele usou sua imagem sem
prévia autorização e ridicularizou-a em público, gerando constrangimento
e deboches vindos de pessoas de sua cidade.
Para mais informações sobre o caso, acesse: Link.Em seguida, o que foi visto pelas redes sociais foi um fenômeno bastante natural na atualidade: diversas páginas com imagens de Gentili chamando-o de reacionário, idiota, estúpido, direitista, entre outras coisas, como se só o fato dele ter feito a tal piada fosse suficiente para colocá-lo no hall de pessoas a serem perseguidas. Algumas das questões levantadas eram: o humorista deve fazer piada em direção ao opressor e não ao oprimido. Aí eu pergunto: Que oprimido? Que opressor? Se a mulher se sentiu ofendida e acha que sofreu prejuízos ela tem direito de processar Danilo, mas isso não quer dizer que ele seja um cara que visou tal ofensa. Aliás, é muito comum se confundir humor com ofensa, descontextualizando-o e olhando pelo viés “material” do que foi dito e não do conteúdo que é, em si, feito para apontar uma crise do enunciado.
O humor, em linhas gerais, é nada mais
do que isso: uma crise. Sua função essencial é pegar os conceitos
estabelecidos, as classes, as instâncias políticas, da linguagem e do
pensamento e gerar uma inoperância desses discursos. Ele é, em si,
subversivo, pois não tem projeto nem proposta, não tem frentes nem
defesas, não pode perceber o que é “opressor” ou “oprimido”. Quando o
humor começa a indagar se é “certo” ou “justo”, ele perde sua potência,
sua vitalidade e deixa, instantaneamente, de ser humor. É nesse quesito
que os pensadores, principalmente da sisuda, dominadora e autoritária
esquerda, não conseguem suportar o humor: ele desmorona em segundos todo
o seu palavrório construído para suportar todo o tido de paradoxo e
ambivalência.
Danilo Gentili tem se transformado,
assim como outros humoristas, em um alvo fácil, pois se coloca com um
humor muitas vezes infantil, debochado, inconsequente e que não se
importa com o ataque dos verdadeiros conservadores, os patrulhadores da
liberdade. Sua posição em relação ao humor é tão simples que gera
exatamente a crise que a elite tanto evita: o humor é para rir. Se ele é
sem graça, não ria, não veja, mas chamar um humorista de reacionário
que ofende minorias é um absurdo difícil de ser digerido.
Engraçado que, em países com um nível de
educação mais justo, mais equilibrado, o humor é bastante bem aceito,
enquanto aqui embaixo, os intelectuais, e principalmente eles, acham o
humor um mal pra sociedade. Não é a toa que somos um dos últimos do
mundo em educação.
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